sábado, 18 de junho de 2011

Primeiro Capítulo de Throne of Fire

Desculpa a demora para postar esse capítulo – sabemos que isso está um pouco atrasado, mas achamos melhor esperar até o lançamento de The Throne of Fire nos EUA – para evitar maiores ansiedades! A grande maioria das informações sobre The Throne of Fire foram postadas NESTE POST.
(Gostaria de deixar claro, antes que perguntem, que só iremos traduzir esse capítulo e os trechos divulgados no site oficial – não iremos traduzir o livro, por motivos de direitos autorais. =D)
Aproveitem a leitura! (Para ler a versão original – em inglês – CLIQUE AQUI)

Tradução:João Victor

AVISO
Esta é uma transcrição de uma gravação de áudio. Vocês conheceram Carter e Sadie Kane pela primeira vez em uma gravação que recebi no ano passado, que transcrevi como A Pirâmide Vermelha. Este segundo arquivo de áudio chegou em minha residência logo após o livro ter sido publicado, então só posso assumir que os Kanes confiam em mim o suficiente para que eu continue a veicular a sua história. Se essa segunda gravação é um relato verdadeiro, o rumo dos acontecimentos só pode ser descrito como alarmante. Para o bem dos Kanes, e para o mundo, espero que o que se segue seja ficção. Caso contrário, todos nós estamos com sérios problemas.

CAPÍTULO I – Diversão com combustão espontânea
Carter falando.
Olha, nós não temos tempo para longas introduções. Eu preciso contar essa história rapidamente, ou vamos todos morrer.
Se você não ouviu a nossa primeira gravação, prazer em conhecê-lo: os deuses egípcios estão andando por aí no mundo moderno, um bando de magos chamado de Casa da Vida estão tentando nos impedir, todo mundo odeia Sadie e eu, e uma cobra grande está prestes a engolir o sol e destruir o mundo.
[Ow! Pra que isso?]
Sadie me deu um soco. Ela diz que eu estou te assustando muito. Eu deveria me recompor, me acalmar e começar de novo.
Ok. Só que, pessoalmente, eu acho que você DEVERIA estar com medo.
O objetivo desta gravação é para que você saiba o que realmente está acontecendo e como as coisas deram errado. Você vai ouvir um monte de gente falando besteira sobre nós, mas não fomos nós quem causamos tantas mortes. Quanto à cobra, não foi culpa nossa também… Bem… Não exatamente. Todos os magos no mundo têm que se unir. É nossa única chance.
Então aqui vai a história. Decida por si mesmo. Tudo começou quando deixamos o Brooklyn em chamas.
*
O trabalho deveria ser simples: infiltrar-se no Museu do Brooklyn, pegar um artefato específico do Egito, e sair sem ser apanhado.
Não, não foi um roubo. Gostaríamos de ter devolvido o artefato eventualmente, mas acho que nos olharam de maneira desconfiada: quatro crianças com roupas pretas de ninja no telhado do museu. Ah, e um babuíno, também vestido como um ninja. DEFINITIVAMENTE SUSPEITOS.
A primeira coisa que fiz foi enviar os nossos aprendizes Jaz e Walt para abrir a janela lateral, enquanto Khufu, Sadie, e eu examinávamos a grande cúpula de vidro no meio do teto, que era supostamente a nossa estratégia de fuga.
Nossa estratégia para a saída não parecia muito boa.
Foi bem depois do anoitecer, o museu deveria estar fechado. Em vez disso, a cúpula de vidro brilhava com uma luz. No interior, quarenta pés abaixo, centenas de pessoas em smokings e vestidos de gala misturavam-se e dançavam em uma espécie de salão de baile do tamanho de um hangar de avião. Uma orquestra tocava, mas com o vento uivando nos meus ouvidos e meus dentes batendo, eu não podia ouvir a música. Eu estava congelando no meu pijama de linho.
Magos devem usar roupa de linho porque não interfere com a magia, o que provavelmente é uma grande tradição no deserto do Egito, onde quase nunca é frio e chuvoso. No Brooklyn, em março, não funciona assim.
Minha irmã, Sadie, não parecia incomodada com o frio. Ela foi desfazendo as trancas da cúpula, enquanto cantarolava algo com seu iPod. Quero dizer, de verdade, quem é que fica ouvindo músicas em um roubo de museu?
Ela estava vestida com roupas iguais as minhas, exceto que ela usava botas de combate. Seu cabelo loiro estava repicado com mechas avermelhadas – muito discreto para uma missão que se deve passar despercebido. Com seus olhos azuis e sua pele clara, ela se não se parecia absolutamente em nada comigo, nós dois concordávamos com isso. É sempre bom ter a opção de negar que a garota louca ao meu lado é minha irmã.
“Você disse que o museu estaria vazio”, eu reclamei.
Sadie não me ouviu, até que tirou seus fones de ouvido e eu repeti.
“Bem, supostamente estaria vazio.” Ela vai negar isso, mas depois de viver nos Estados, nos últimos três meses, ela estava começando a perder o seu sotaque britânico. “O site dizia que o museu fechava as cinco. Como eu poderia saber que haveria um casamento?”
Um casamento? Olhei para baixo e vi que Sadie estava certa. Algumas das senhoras usavam vestidos cor de pêssego, aqueles de dama de honra. Em uma das mesas havia um bolo de glacê branco em camadas maciças. Dois monstros separados dos convidados haviam levantado a noiva e o noivo, que estavam sentados em cadeiras e sendo carregados pela sala, enquanto seus amigos giravam em torno deles, dançando e batendo palmas. Observando a coisa toda, parecia prestes a acontecer uma colisão frontal de móveis.
Khufu bateu no vidro. Mesmo em suas roupas pretas, era difícil para ele se esconder nas sombras com sua pele dourada, para não mencionar o nariz colorido e o seu traseiro.
“Ahhhg!” ele resmungou.
Como ele era um babuíno, isso poderia significar algo desde “Olhem, há comida lá embaixo” ou “Esse vidro está sujo” até “Hey, essas pessoas estão fazendo coisas estúpidas com as cadeiras”.
“Khufu está certo”, Sadie concluiu. “Vai ser bem difícil nos esgueiramos através de uma movimentação dessas. Talvez se nós fingirmos que somos alguma equipe de manutenção…”
“Claro”, eu disse. “Desculpe-nos. Somos apenas quatro crianças carregando uma estátua de três toneladas. Só vamos pular até o teto. Não se preocupem conosco. ”
Sadie revirou os olhos. Ela puxou sua varinha, que era curva e feita de marfim, esculpida com imagens de monstros. Apontou-a para a base da cúpula. Um hieróglifo dourado brilhou e o cadeado pesado se abriu.
“Bem, se não vamos usar isso como uma saída”, disse ela, “por que a estou abrindo? Não poderíamos simplesmente sair por onde vamos entrar, através da janela lateral?
“Eu disse a você. A estátua é enorme. Não vai passar pela janela lateral. E tem mais, as armadilhas.”
“Tentamos novamente amanhã à noite, então?”, perguntou ela.
Eu balancei negativamente minha cabeça. “Amanhã toda a exposição estará sendo encaixotada e as obras enviadas em turnê.”
Ela levantou as sobrancelhas daquela maneira irritante dela. “Talvez se alguém tivesse nos dado mais atenção quando eu disse que precisávamos roubar a estátua…”
“Esqueça isso.”
Eu poderia dizer em que direção essa conversa foi indo, e a conversa não ia ajudar em nada se nós continuássemos discutindo sobre o telhado a noite toda. Ela tinha razão, claro. Eu não tinha dado muita atenção. Mas, ei, minhas fontes não eram exatamente confiáveis. Após semanas procurando ajuda, eu finalmente consegui uma dica do meu amigo deus falcão Hórus, falando em meus sonhos: “Ah, a propósito, sabe aquele artefato que você queria? O único que contém a chave para salvar o planeta? Está largado no Museu de Brooklyn durante os últimos 30 anos, mas amanhã vai para a Europa, então é melhor vocês se apressarem! Você terá cinco dias para descobrir como usá-lo, ou então estamos todos condenados. Boa sorte!”
Eu poderia ter gritado com ele por não me dizer isso mais cedo, mas não teria feito qualquer diferença. Deuses só falam quando querem, e eles não têm uma boa noção do tempo mortal. Eu sabia disso porque Hórus compartilhava um espaço da minha cabeça desde alguns meses atrás. E eu ainda mantinha alguns de seus hábitos anti-sociais, como o desejo ocasional para caçar pequenos e peludos roedores ou desafiar as pessoas para um duelo mortal.
“Vamos nos ater ao plano”, disse Sadie. “Entrem pela janela lateral, encontrem a estátua, e pulem para fora através do salão do casamento. Vamos descobrir como lidar com a festa quando chegarmos lá. Talvez possamos criar uma distração.”
Eu fiz uma careta. “Uma distração?”
“Carter, você se preocupa demais”, disse ela. “Vai ser brilhante. A menos que você tenha outra idéia?”
O problema era – eu não tinha!
Você deve achar que a magia tornaria as coisas mais fáceis. Na verdade, ela torna geralmente as coisas ainda mais complicadas. Há sempre um milhão de razões pelas quais este ou aquele feitiço não irá funcionar em determinadas situações. Ou então sempre existe uma magia para frustrar você – como os feitiços de proteção deste museu.
Não tínhamos certeza de quem lançou os feitiços. Talvez um dos funcionários do museu era um mágico disfarçado, o que não teria sido fora do normal. Nosso próprio pai havia usado seu doutorado em egiptologia como um meio para ter acesso a um artefato. Além disso, o Museu do Brooklyn tem a maior coleção de arte egípcia e de pergaminhos mágicos do mundo. É por isso que o nosso tio Amós estabeleceu seu quartel-general situado no Brooklyn. Um monte de magos deve ter razões para criar armadilhas e proteger tesouros do museu.
Seja qual for o caso, as portas e as janelas tinham algumas maldições bastante desagradáveis. Nós não poderíamos abrir um portal mágico para entrar, nem poderíamos usar os nossos Shabti de recuperação, as estátuas de argila mágica que nos servem em nossa biblioteca para nos trazer o artefato que precisamos.
Nós teríamos que entrar e sair da maneira mais difícil; e se nós cometêssemos um erro, seria impossível prever a espécie de maldição que iríamos desencadear em enfrentar: guardiões monstro, pragas, incêndios, burros explosivos (não riam, eles são más notícias).
A única saída que não continha armadilhas era a cúpula no topo do salão. Aparentemente, os responsáveis pelo museu não estavam preocupados com os ladrões levitando objetos no ar para fora do museu através de uma abertura a quarenta metros do chão. Ou talvez a cúpula estivesse cheia de armadilhas, e estas estavam muito bem escondidas para nós enxergarmos.
De qualquer forma, tínhamos que tentar. Nós só tivemos esta noite para roubar… – desculpe, pegar emprestado – o artefato. Então nós tivemos cinco dias para descobrir como usá-lo. Eu adoro prazos.
“Então nós entramos e improvisamos?” Sadie perguntou.
Eu olhei para a festa de casamento, na esperança de que não seríamos responsáveis por estragar a sua noite especial. “Acho que sim.”
“Adorável”, disse Sadie. “Khufu, você vai ficar aqui e vigiar. Abra a cúpula, quando você nos ver chegando, ok?”
“Ahhhg!” disse o babuíno.
A parte de trás da minha nuca se eriçou. Eu tive um sentimento que este assalto não iria ser adorável.
“Venha”, eu disse a Sadie. “Vamos ver como Jaz e Walt estão se saindo.”
Nos deixamos cair até a saliência do lado externo do terceiro andar, que abrigava a coleção egípcia.
Jaz e Walt tinham feito seu trabalho perfeitamente. Eles amordaçaram com fita crepe quatro Filhos de Hórus, estátuas em torno das bordas da janela, e hieróglifos pintados sobre o vidro para combater as armadilhas e o sistema de alarme mortal.
Quando Sadie e eu pousamos ao lado deles, pareciam estar no meio de uma conversa séria. Jaz estava segurando as mãos de Walt. Isso me surpreendeu, mas surpreendeu ainda mais Sadie. Ela fez um som chiado parecido com o de um rato quando é pisado.
[Ah sim, você fez. Eu estava lá.]
Por que a Sadie se importaria? Ok, logo depois do Ano Novo, quando Sadie e eu enviamos o nosso amuleto Djed para atrair crianças com potencial mágico para nossa sede, Jaz e Walt foram os primeiros a responder a ele. Eles estavam treinando com a gente durante sete semanas, então a gente chegou a conhecê-los muito bem.
Jaz era uma líder de torcida de Nashville. Seu nome era um apelido para Jasmine, mas nunca deve chamá-la assim, a não ser que você queira ser transformado em um arbusto. Ela é bonita, daquele jeito loiro das líderes de torcida, mas esse não é realmente meu tipo. Porém você não consegue deixar de gostar dela porque é bastante agradável com todos e sempre está pronta para ajudar. Ela tinha um talento para a cura mágica também, então seria uma ótima pessoa para se trazer no caso de algo der errado, o que acontece com Sadie e comigo cerca de noventa e nove por cento do tempo.
Hoje à noite ela cobrira o cabelo em um lenço preto. Pendurado em seu ombro estava seu saco mágico, estampado com o símbolo de leão deusa Sekhmet.
Ela estava dizendo a Walt “Nós vamos dar um jeito”, quando Sadie e eu caímos ao seu lado.
Walt parecia envergonhado.
Ele era… Bem, como eu descrevo o Walt?
[Não, obrigado, Sadie. Não vou descrevê-lo como gostoso. Espere a sua vez.]
Walt tinha quatorze anos, tal como eu, mas ele era alto o suficiente para jogar na frente de um time do basquete do colégio. Ele tinha jeito para isso – magro e musculoso – e os pés do cara eram enormes. Sua pele era marrom-café, um pouco mais escura que a minha, e seu cabelo tinha um corte ralo, de modo que parecesse que seu couro-cabeludo tinha uma sombra. Apesar do frio, ele estava vestido com uma camiseta preta sem mangas e shorts – não é uma roupa padrão para um mágico, mas ninguém discutia com Walt. Ele foi o nosso primeiro aprendiz a chegar – veio até aqui de Seattle – e o cara era naturalmente um sau – especialista em amuletos. Ele usava um monte de colares de ouro com amuletos mágicos que ele mesmo tinha feito.
Enfim, eu tinha certeza que Sadie tinha ciúmes de Jaz e gostava de Walt, embora ela nunca quisesse admitir, porque ela passou os últimos meses deprimida por causa de um outro cara, – na verdade, um deus – por quem tinha uma queda.
[Sim, tudo bem, Sadie. Vou deixar isso de lado por agora. Mas notei que você não está negando a situação.]
Quando a conversa foi interrompida, Walt se soltou rapidinho das mãos de Jaz e se afastou. Sadie moveu seus olhos para entre eles, tentando descobrir o que estava acontecendo.
Walt pigarreou. “A Janela está pronta.”
“Brilhante”. Sadie olhou para Jaz. “O que você quer dizer com: ‘Nós vamos dar um jeito?”
Jaz tremeu os lábios como um peixe tentando respirar.
Walt respondeu por ela: “Você sabe… o Livro de Rá. Nós vamos dar um jeito… ”
“Sim!” Jaz disse. “O Livro de Rá”.
Eu tinha certeza de que eles estavam mentindo, mas eu percebi que não era da minha conta se eles gostavam um do outro. Nós não temos tempo para tais dramas.
“Ok”, eu disse antes de Sadie exigir uma explicação melhor. “Vamos começar a diversão.”
A janela se abriu facilmente. Sem explosões. Sem alarmes. Eu dei um suspiro de alívio e entrei na ala egípcia, me perguntando se talvez teríamos alguma chance de sair com sucesso, depois de tudo.
*
Os artefatos egípcios me trouxeram de volta todos os tipos de memórias. Até o ano passado, eu passei a maior parte da minha vida viajando pelo mundo com o meu pai enquanto ele viajava de museu em museu e realizava palestras sobre o Egito Antigo. Isso foi antes de eu saber que ele era um mago que iria libertar um monte de deuses. Foi então que nossa vida se complicou.
Agora eu não conseguia olhar para arte egípcia sem sentir uma conexão pessoal. Estremeci quando passamos por uma estátua de Hórus, o deus com a cabeça de falcão que habitava o meu corpo desde o último Natal. Caminhamos por um sarcófago e me lembrei de como o maligno deus Set havia aprisionado nosso pai em um caixão de ouro no Museu Britânico. Por toda parte havia fotos de Osíris, o deus dos mortos de pele azul, e pensei em como meu pai sacrificou-se para se tornar o novo hospedeiro de Osíris. Agora, em algum lugar no reino mágico do Duat, nosso pai era o rei do submundo. Eu não posso nem descrever o quanto me sinto estranho ao ver uma pintura de cinco mil anos de algum deus egípcio azul e pensar: “Sim, esse é meu pai.”
Todos os artefatos pareciam lembranças da família: uma varinha como a de Sadie, uma foto dos leopardos serpente que outrora nos atacaram; uma página do Livro dos Mortos mostrando os demônios que conhecemos pessoalmente. Em seguida vimos uma shabti, estatuetas mágicas que deveriam vir para a vida quando convocadas. Alguns meses atrás, eu tinha gostado de uma garota chamada Zia Rashid, e esta acabou por ser uma shabti.
Apaixonar-se pela primeira vez tinha sido duro o suficiente. Só que quando a garota que você gosta acaba por ser de cerâmica e se racha em pedaços diante de seus olhos, bem, isso dá a “romper o coração” um novo significado.
Nós fizemos nosso caminho através da primeira sala, passando sob um mural de estilo egípcio com um grande zodíaco no teto. Eu podia ouvir a comemoração acontecendo no salão do casamento que acontecia depois do corredor à nossa direita. Música e risos ecoavam por todo o prédio.
Na segunda sala egípcia, paramos na frente de um friso de pedra do tamanho de uma porta da garagem. Esculpido na rocha estava um retrato de um monstro pisoteando alguns seres humanos.
“Isso é um grifo?” Jaz perguntou.
Eu balancei a cabeça. “O da versão egípcia, sim.”
O animal tinha corpo de leão e cabeça de um falcão, mas suas asas não eram como as dos grifos que você vê. Em vez de asas de pássaros, as asas do monstro percorriam toda a parte superior de suas longas costas, horizontal, e eram eriçadas como um par de escovas de aço de cabeça para baixo. Se o monstro pudesse voar com essas coisas de algum jeito, percebi que deveriam se mover como as asas de uma borboleta. O friso já tinha sido pintado. Eu poderia fazer a mancha de vermelho na criatura em ouro se ocultar, mas mesmo sem cor, o grifo parecia assustadoramente realista. Seus olhos negros pareciam me seguir.
“Grifos foram protetores”, disse, lembrando de algo que meu pai tinha me dito uma vez. “Eles guardavam tesouros e outras coisas.”
“Fab…”, disse Sadie. “Então você quer dizer que eles atacam… ladrões, por exemplo, que invadem museus e roubam artefatos?”
“É apenas um friso,” eu disse. No entanto, eu duvido que alguém se sentiu melhor com isso. Magia egípcia falava sobre transformar as palavras e imagens em realidade.
“Ali”. Walt apontou o outro lado da sala. “É isso aí, né?”
Fizemos um amplo arco em torno do grifo e caminhamos até uma estátua no centro da sala.
A estátua do deus tinha cerca de oito metros de altura. Ela havia sido esculpida em pedra negra e vestida em estilo egípcio típico: sem camisa, com um saiote e sandálias. Tinha o rosto de um carneiro e chifres que haviam parcialmente se quebrado ao longo dos séculos. Em sua cabeça havia uma coroa em forma de frisbee – um disco de sol, trançado com serpentes. Na frente dele estava uma figura humana muito menor. O deus estava segurando as mãos sobre a cabeça de um cara, como que dando-lhe uma bênção.
Sadie encarou a inscrição hieroglífica. Desde que ela recebeu o espírito de Ísis, deusa da magia, foi despertada em Sadie uma incrível capacidade de ler os hieróglifos.
“KNM”, ela leu. “Isso seria pronunciado Khnum, eu suponho. Rima com cabum?”
“Sim”, eu concordei. “Esta é a estátua que precisamos. Hórus me disse que contém o segredo para encontrar o Livro de Rá”.
Infelizmente, Hórus não tinha sido muito específico. Agora que tínhamos encontrado a estátua, eu não tinha absolutamente nenhuma idéia de como ela iria nos ajudar. Examinei os hieróglifos, esperando por uma pista.
“Quem é o carinha na frente?” Walt perguntou. “Uma criança?”
Jaz estalou os dedos. “Não, eu lembro disso! Khnum criou os seres humanos numa roda de oleiro. Isso é o que ele está fazendo aqui, eu aposto que está formando o homem a partir do barro”.
Ela olhou para mim para confirmação. A verdade era que eu tinha me esquecido dessa história. Sadie e eu é quem devíamos ser os professores, mas Jaz freqüentemente lembrava de mais detalhes do que eu.
“Sim, ótimo” eu disse. “O homem do barro. Exatamente.”
Sadie franziu a testa e olhou a cabeça de carneiro de Khnum. “Parece um pouco como aquele antigo desenho animado… Bullwinkle, não é? Poderia ser o deus dos alces.”
“Ele não é o deus dos alces”, disse eu.
“Mas se nós estamos procurando Livro de Rá”, ela disse, “e Rá é o deus Sol, então por que nós estamos procurando um alce?
Sadie pode ser uma pessoa irritante. Eu já mencionei isso?
“Khnum era um aspecto do deus sol”, disse eu. “Rá teve três diferentes personalidades. Ele foi Khepri, o deus escaravelho pela manhã. Rá durante o dia, e Khnum, o deus com cabeça de carneiro, ao pôr do sol, quando ele foi para o submundo.”
“Isso é confuso”, disse Jaz.
“Não necessariamente”, disse Sadie. “Carter tem personalidades diferentes. Ele vai de zumbi na manhã, lesma na parte da tarde para…”
“Sadie”, eu disse: “cale a boca.”
Walt coçou o queixo. “Eu acho que Sadie está certa. É um alce. ”
“OBRIGADA!”, disse Sadie.
Walt lhe deu um sorriso relutante, mas ele ainda parecia preocupado, como se algo estivesse o incomodando. Eu observei Jaz estudando-o com uma expressão preocupada, e eu me perguntava o que eles realmente estavam falando antes.
“Chega de alces”, disse eu. “Nós temos que começar a levar a estátua de volta a sede do Brooklyn. Ela possui alguma pista.”
“Mas como é que vamos descobrir a pista?” Walt perguntou. “E você ainda não nos disse por que precisamos tanto deste Livro de Rá.”
Eu hesitei. Havia um monte de coisas que não tinha dito a nossos estagiários, no entanto, nem mesmo a Walt e Jaz – como, por exemplo, a respeito da forma de como o mundo pode acabar em cinco dias. Esse tipo de coisa pode distraí-los de sua formação.
“Eu vou explicar quando voltarmos”, eu prometi. “Agora, vamos descobrir como mover a estátua.”
Jaz ergueu as sobrancelhas. “Eu não acho que vai caber na minha bolsa.”
“Oh, como isso é preocupante”, disse Sadie. “Olha, a gente lançou um feitiço de levitação na estátua. Criamos uma grande distração para passarmos pelo salão…”
“Olhem”. Walt se inclinou para frente e examinou a menor figura humana. O cara estava sorrindo, como se ser feito de argila fosse algo divertido. “Ele está usando um amuleto. Um escaravelho.”
“É um símbolo comum,” eu disse.
“Sim”. Walt passou os dedos pela sua própria coleção de amuletos. “Mas o escaravelho é um símbolo do renascimento de Rá, certo? E essa estátua mostra Khnum dando criação a uma nova vida. Talvez nós não precisamos de toda a estátua. Talvez a pista seja…”
“Ah!” Sadie puxou sua varinha. “Brilhante”.
Eu estava prestes a dizer: “Sadie, não!”, mas é claro que teria sido inútil. Sadie nunca me escuta.
Ela bateu no amuleto do cara pequeno. As mãos de Khnum brilharam. A cabeça da estátua menor começou a se descascar e se abriu em quatro partes como o topo de um silo de mísseis, e saindo de seu pescoço um pedaço de papiro amarelado apareceu.
“Voilà”, Sadie disse com orgulho.
Ela colocou a sua varinha em sua bolsa e pegou o papiro, quando eu falei:
“Pode ser uma armadilha!”
Como eu disse, ela nunca escuta.
Assim que ela arrancou o papiro da estátua, a sala inteira tremeu. Rachaduras apareceram nas vitrines de vidro.
Sadie gritou quando o rolo em sua mão explodiu em chamas. Elas não pareceram consumir o papiro ou machucar minha irmã, mas quando ela tentou sacudir o fogo, chamas brancas e fantasmagóricas saltaram para a sala de exibição mais próxima e correram ao redor do quarto como se estivessem seguindo um rastro de gasolina em combustão. O fogo tocou as janelas e os hieróglifos brancos e brilhantes sobre o vidro, provavelmente desencadeando uma porção de armadilhas e maldições. Depois, o fogo espiritual rastejou por todo o grande friso na entrada da sala. A laje de pedra tremeu violentamente. Eu não podia ver as esculturas do outro lado, mas eu ouvi um grito estridente, como se fosse um papagaio muito grande e com muita raiva.
Walt deixou seu bastão escorregar de suas costas. Sadie sacudiu o rolo em chamas como se estivesse preso em sua mão “Tire isso de mim! Isso não é culpa minha!”
“Hum…”. Jaz puxou sua varinha. “O que foi aquele barulho?”
Meu coração se afundou.
“Eu acho” eu disse “que Sadie encontrou a sua grande distração.”

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